As pesquisas em ciências humanas e filosofia se encaminham, de alguma forma, para as reflexões centrais postas pelos desafios e riscos presentes no mundo contemporâneo. Em primeiro lugar, o problema da virtualização das relações e representações humanas. Verificamos que há um processo de virtualização da existência humana em contraposição às relações presenciais. Até agora, tem acompanhado essa virtualização via redes computacionais, mediadas pelos algoritmos informacionais e, recentemente, também pela inteligência artificial, avançados procedimentos manipulatórios jamais vistos entre nós. Essa tendência está colocando em xeque o nosso pertencer ao mundo. Sem pertencimento, somos párias, somos nada, fantasmas, seres invisíveis. A dimensão presencial da nossa existência mostra como necessitamos dos outros no trabalho, na ação, no pensar, no produzir e no realizar. Sem a presença do outro torna-se mais fácil alimentar a dissensão, o clima de discórdia, a disseminação do ódio e da mentira. Instaura-se, sem razão de ser, um clima de guerra nas famílias, na sociedade e na política.
Em segundo lugar, temos o problema ecológico. O risco passa a ocorrer na relação homem-natureza. O elevado padrão de conforto e o consumo destrutivo inerente a esse padrão leva à destruição da natureza, às mudanças climáticas paroxísticas, colocando em perigo o nosso pertencimento à terra, nosso habitat natural, condição para nossa vida como ser orgânico.
Como uma espécie de corolário, por último, temos o problema democrático, a relação homem-homem. Os altos investimentos na guerra (só esse ano foram mais 2 trilhões e 200 bilhões de dólares); a proposta extremista de convivência em que a guerra é central; a irracionalidade invadindo o campo da ação política; a crise do neoliberalismo e a ligação com o modo de modernização capitalista, especialmente no Brasil (a direita brasileira é extremista, conservadora, colonial, patriarcal, escravista, golpista); todos esses pontos inviabilizam a produção comum do mundo, levam à proibição de se falar de direitos, condição da nossa existência com os outros, da criação de histórias, dos produtos e das ações comuns.
Parece que uma constante atravessa os três processos: expansão do caos, da ilimitação, uma espécie de hybris, um processo de barbarização, de alastramento do ódio, fincado no gosto das massas pelos extremos existenciais, não civilizatórios: medo, infâmia, escândalos, mentiras. Estamos face a face ao espraiamento da irracionalidade, o que torna a atividade filosófica e científica muito difícil e desafiadora, uma vez que a filosofia e a ciência apostam na existência do predomínio da razoabilidade e da razão no mundo.
Pesquisando essas temáticas, surgiu há mais de 10 anos um grupo de pesquisa, o GEPEDE (Grupo de pesquisa em Política, Educação e Ética), grupo vinculado atualmente ao curso de graduação e pós-graduação em Filosofia da Universidade Vale do Acaraú, em Sobral-Ce, fundado e coordenado pelo prof. Dr. Ricardo George, com forte atuação no Ceará, mas também interagindo com pesquisadores de várias outras regiões do Brasil. Esse grupo tem se destacado, de modo especial, pelos estudos levados a efeito sobre a pensadora Hannah Arendt.
A pensadora judia-alemã Hannah Arendt tem sido lida no Brasil desde a década de 60, no entanto, somente na década de 80, através dos trabalhos pioneiros de Celso Lafer (USP), Eduardo Jardim (PUCRIO) e Theresa Calvet (UFMG), passou a ser pesquisada e abordada criticamente na Universidade. O reconhecimento inicialmente tímido da academia aos poucos foi se expandindo e a pensadora passou a ter um público leitor bastante amplo e esclarecido.
As conjunções políticas, em razão do crescimento mundial da extrema direita, sem dúvidas, foram propícias para facilitar a ampla recepção do pensamento da autora na opinião pública letrada. No entanto, vale registrar que o trabalho dos grupos de pesquisas formados nas universidades, especialmente aqui no Brasil, foi relevante para o crescimento de uma massa crítica especializada na obra da autora. A consequência das atividades das lideranças levadas a efeito por uma segunda geração de pesquisadores como Claudio Boeira, no Rio Grande do Sul, André Duarte na UFPR, Adriano Correia na UFG e nosso grupo aqui do Ceará, reunidos nacionalmente através do evento anual Hannah Arendt, sedimentaram os estudos críticos sobre a autora.
Além desses grupos, muitos outros surgiram e se disseminaram no Brasil em todas as áreas de pesquisa das Ciências Humanas. Poderíamos mesmo dizer que já estamos na terceira geração de pesquisadores sobre Arendt. Esse é o caso do GEPEDE. Embora não se dedique exclusivamente ao pensamento de Arendt, suas atividades se inscrevem legitimamente nessa herança de expansão dos estudos arendtianos. O livro que chega às mãos do leitor indica muito bem essa pertença e essa maturidade. Reúne pesquisadores que atuam nas diversas regiões do Brasil e que participaram em algum momento dos trabalhos realizados por esse importante grupo de pesquisa. Comemorar 10 anos de existência com um livro evidencia a potência e a maturidade desse grupo, com forte atuação na pós-graduação brasileira, especialmente no setor de estudo da Filosofia.
O livro contempla o foco principal do Grupo de Pesquisa, qual seja: política, educação e ética e está dividido em três partes: Política e Direitos humanos, Biopolítica, Filosofia e Educação. Os capítulos da primeira parte dissertam sobre a verdade, a crise do Estado-nação, a crítica arendtiana aos direitos humanos, o tema da representação política, da liberdade e da solidão. O esmero com que são tratados levará o leitor ao núcleo central da compreensão da política na obra de Hannah Arendt.
Na segunda parte é discutido o assunto da biopolítica. Nos capítulos aí desenvolvidos são explanados tópicos de extrema relevância e atualidade, assim como revelam a vocação para pesquisas contemporâneas do grupo: a sociedade punitiva, a guerra civil, a vida administrada, o neoliberalismo e a vida como capital humano. Todos esses pontos são aproximados a partir das luzes de Hannah Arendt, Michel Foucault e Giorgio Agamben.
Na última parte, seguindo o padrão programático do Grupo, é abordado a relação entre Filosofia, educação e Religião. Nesse sentido são aclarados nos últimos capítulos as seguintes questões: a importância da dialogicidade na educação, a interconexão entre filosofia e literatura, a educação e a crise, a docilização dos corpos na escola, ressentimento, ódio e a política, religião e política. Nessa parte, comparecem e são interpretados autores como: Deleuze, H. Arendt, Foucault, Nietzsche e Feuerbach.
Por conseguinte, esse horizonte de enfrentamento desses complexos desafios contemporâneos poderá ser acessado nesse interessante livro que os leitores têm em mãos. Trata-se não só de uma excelente obra resultante de pesquisas, mas principalmente de um importante documento que testemunha uma trajetória que resistiu às várias dificuldades de um grupo de pesquisa insistente em fazer filosofia e ciências humanas a partir da Universidade Estadual Vale do Acaraú, irradiando saberes para o sertão cearense e para todo Brasil.
Assim, estão de parabéns, os organizadores, os participantes e os coordenadores do GEPEDE. Vida longa ao GEPEDE!
Odilio Alves Aguiar (UFC).
ISBN | 978-65-266-2436-4 |
Número de páginas | 246 |
Edição | 1 (2024) |
Formato | A4 (210x297) |
Acabamento | Brochura s/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 80g |
Idioma | Português |
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