Todo fácil é difícil. O grande intelectual A. Tito Filho me dizia sempre que, “de modo geral, os médicos escrevem bem”. E eu passei a observá-los. O médico luta em favor da vida e a vida não é fácil. Tinha sentido o que disse (e escreveu) o mestre Tito Filho. Tenho muitos amigos médicos e médicos amigos, mas nunca nenhum publicou livro ou me pediu opinião sobre a língua portuguesa e a literatura. José Solon de Sousa é o primeiro, com o qual comprovo aquela teoria de A. Tito Filho e de outros mestres que têm escrito crítica literária. Pessoalmente, creio que não o conheço ou não lhe gravei a figura, mas conheço a prosa – um bom prosador – num livro anterior, uma espécie de biografia de sua vida e do que fez com ela. Prosa bem concatenada, com bom sentido e sonoridade. Já na poesia, usa rimas a valer – que não fazem propriamente a poesia, mas a enfeitam. Sua prosa, neste Versos, Cantos e Prosa, é limpa, dos melhores elogios, prova de que é um conhecedor consciente do nosso tempo, especialmente com relação à política. Cito a “Carta aberta ao povo de meu Deus”. A imagem do “Cavalo de Troia” que ele ressuscitou, para qualificar os novos políticos, é realmente interessante, em cujo cavalo os velhos estão montados e precisam sair, mas não saem: vão metendo lá os novos. Até quando? A sua poesia é controversa como a vida é controvertida, e muitas vezes até parece que estamos ouvindo/lendo “o samba crioulo doido”. É que a vida atual não tem música, e se não me engano, Solon é músico e faz teatro na recriação de seus poemas não musicados e nas músicas que compõe sobre eles. De qualquer
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forma, de uma maneira bem popular, com muita rima e tantos trocadilhos, ele grita aos ouvidos dos que passam dizendo que a vida que temos não é certa. E que ninguém conserta a vida com esmolas e enganações. Um exemplo de grande valia, neste prefácio insignificante, será suficiente para que o leitor de prefácios comprove o que digo antes do conteúdo do livro:
“A terra não mais aguenta! Nas ondas do mar existe mão e demão, sem esse equilíbrio das forças, ao toque de uma canção. A vida esmaece. Aprendamos esta lição: O verso está no clima, mas... o clima é diverso!”
Outras estrofes que provam o que digo, vou citá-las:
“Vamos todos a Pandora eleger? Pegue um saco, uma cesta, uma bolsa... A copa do mundo e o feijão Estão criando um novo mensalão!”
Sua “Pandora” me traz um eco do grande poeta Manoel Bandeira, quando reinventando os versos de “Vou-me embora pra Pasárgada”. José Solon de Souza tem um jeito especial de criticar criando rimas: um poeta trágico, tétrico como é o nosso tempo. Mas noutra parte, creio que nos poemas musicados, fica menos acre, sem deixar de ser crítico: “São Francisco venha ver / O lamento do
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sertão / No terreiro da Chiquinha / Falta até nosso baião: / Baião de dois, / Baião de mil”. Infelizmente, a palavra não diz tudo, é preciso que seja interpretada. Por isto é que José Solon se dispõe a ouvir os ais dos que gritam contra o “mar de lama dos mandantes” e formar com eles. “Quem geme é quem sente a dor”, diz o vulgo. Que o grito dos poetas seja um grito primal quase sem fim, contanto que salvemos a nação, e se não pudermos, ao menos se salvem algumas almas. E estas só se salvam pela poesia de poetas como Solon, não preocu- pados com classicismos e outras escolas. Parabéns, Solon, pela sua coragem e seu jeito bem pessoal de fazer poesia, dizendo e gritando. Embora não salvemos o mundo, pelo menos abrandaremos a dor das nossas mágoas.
Teresina-PI, 10 de outubro de 2015. Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel)
Número de páginas | 106 |
Edição | 1 (2020) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 80g |
Idioma | Português |
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