Há vinte e dois anos escrevi num monólogo simploriamente elaborado: “O verso só é poesia na musical harmonia da palavra finalista...” Agora vejo Vasco de Sant'Anna dilacerar o leitor em “palavra finalista”, nos versos inteiros, linha a linha, verso a verso, palavra a palavra. Toma conta do leitor em uma avalanche de contundências e harmonias.
Raro o poeta onde a metáfora não é a essência da qualidade. Vasco de Sant'Anna mistura metáforas e parábolas como quem brinca com os amigos em roda de mate, num galpão enfumaçado. São mais raros os poetas que têm o dom de apoderar-se do leitor. Pois ele o possui. No geral, lemos os poetas de fora para dentro de suas obras. Vasco de Sant'Anna, ao contrário, adentra nossas almas e corações através de suas poesias.
Não nos cabe fazer críticas de suas obras: no máximo, análise emotiva.
Conhecemo-nos há mais de 65 anos: ambos estudamos no mesmo seminário em que os preceptores jesuítas promoviam educação, cultura, ciência e pedagogia. Neste primavam os princípios de ética, moral e formação de caráter. A maioria de seus poemas tem origem naquela formação. Percebemos isso em Il Poverello – “Francisco, o demente/ que falava com os pássaros” e vários outros. Embora sempre tivesse mantido algo de mensageiro e missionário, nunca foi missionário. Os jesuítas nunca o convenceram de imantar-se à civilização missionária jesuítica-guarani. Vasco de Sant'Anna é de outros tempos e da cultura gaúcha que nasceu com as ruínas das Missões. É, por excelência, um telúrico pampeano com suas planuras e seus latifúndios. Muitos poemas o retratam como tal, todavia, sempre eivado de uma profunda espiritualidade cristã. Conversa com Deus como se fosse o bondoso “Patrão Véio da Grande Estância do Céu”.
No entanto, projetou-se para mais longe e mais alto. A praça da minha infância é fantástica na sua ludicidade, simplicidade e severa contundência final. Ali é o poeta maduro que fala, com experiências já vividas na formação universitária e profissional.
Em Por favor subliminarmente dá aula de sociologia na vida amorosa preservando as próprias individualidades, apesar da solidez da terceira identidade que o casal forma. Saber ficar só com seus pensamentos e devaneios sem estar solitário. Em The Liberty Soldiers, entre outras questões trágicas para a humanidade, mostra o quanto é pequeno o nosso mundo; menores e desumanos são os ditadores e imperialistas...
Quem deveria fazer esta orelha para Sonata nº 2 - De quase Inverno, seria o nosso amigo comum, Nelson Hoffmann. Para nossa tristeza e saudade, já partiu. Certamente escreveria: “Quando iria eu suspeitar de tais culminâncias?...”
Parabéns!
Ruy Nedel - Cerro Largo 01.05.2023
Número de páginas | 100 |
Edição | 1 (2023) |
Idioma | Português |
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