Na filosofia socrática não havia, como finalidade castradora de subjetividades transcendentes, a reprodução de pensamentos já pensados. Não havia a reexplicação ou redundância, de maneira prolixa, e/ou sofisticamente hermética, daquilo que já estava explicado, pelos autores, em suas filosofias ou obras. A própria essência dialética do método socrático (ironia e maiêutica) não permitia isso. Para Sócrates estava claro que a filosofia, e não somente a sua, era ou deveria ser uma busca constante pelo saber.
Aristóteles, por exemplo, havia sido discípulo de Platão; e Platão também havia sido discípulo de Sócrates. Todavia, Aristóteles, divergente de seu mestre (Platão = idealismo), e também da filosofia de Sócrates em muitos aspectos, passou a comungar da ideia de que “do espanto diante da realidade” (empirismo) é que faz-se nascer a necessidade de buscar o saber (faz-se nascer o filósofo), e não do mundo das ideias. Logo, Aristóteles deu saltos qualitativos em relação à filosofia de Platão, mesmo ou exatamente por ter sido discípulo deste. E isso se deve ao fato de que Platão, enquanto discípulo de Sócrates, havia aprendido também com o seu mestre estratégias para poder fazer com que os diferentes homens que cruzassem o seu caminho, buscando interlocução, criassem pausas à reflexão, descessem dos seus pedestais de ditos sabedores ou de donos da verdade, e buscassem pensar, por si próprios, de formas disruptivas (ainda que além ou diferente dos seus mestres).
O fato é que Sócrates, com o seu método, criava condições para fazer despertar o filósofo em qualquer ser que ousasse dialogar de maneira profunda com ele. Com a sua filosofia, ele nunca se predispôs e/ou quis fazer a cabeça de ninguém.
A ética socrática era provocativa, dialógico-dialética. Sócrates, embora talvez muitos desconheçam, nunca quis que os seus interlocutores pensassem como ele pensava. Queria que eles fossem capazes de questionar aquilo que eles próprios julgavam saber e/ou que tinham como status quo de dita verdade. Por esse motivo, exatamente por esse motivo, Platão, apesar de discípulo de Sócrates, não reproduziu o pensamento filosófico de Sócrates; e Aristóteles, também apesar de discípulo de Platão, não reproduziu o pensamento filosófico de Platão. Em outras palavras, Sócrates, com a sua filosofia, estava preocupado em “formar” seres que, depois de ironicamente confrontados por ele diante do que julgavam saber (suas doxas), pudessem também realizar um processo introspectivo de reflexão e desenvolverem a capacidade de rearticularem seus próprios raciocínios e/ou argumentos, de pensar diferente. Esse processo irônico-maiêutico, é claro, sabia Sócrates, poderia começar na praça pública, num ginásio (ou em quaisquer outros lugares), mas, com raríssimas exceções, quase sempre também nunca terminaria neles. Sócrates, por exemplo, sabia que:
1. Muitos daqueles que se predispunham a confrontá-lo, por terem certeza de que eram donos da verdade ou sábios, nunca despertariam para o estado “de” ou do filosofar;
2. Alguns, não tendo a capacidade de voltarem a se reorganizar mentalmente, enlouqueceriam, ainda que momentaneamente;
3. Outros, por se sentirem humilhados ao não conseguirem manter um diálogo profícuo com ele, o odiariam, tornar-se-iam seus inimigos (gratuitamente) e fugiriam dos debates (incluem-se aí os chamados diálogos aporéticos);
4. E alguns, depois de saírem “sem nada ou quase nada entenderem” ao dialogarem com Sócrates, demorariam também anos, ou mesmo uma vida, para compreenderem o que é ou era o filosofar. Ou seja, para descobrirem que filósofo não é aquele que pensa ou que acredita que sabe: A- e sim aquele que avalia, interroga-se e interroga; B- e sim aquele que está em busca da sabedoria, por amá-la ou por nutrir amizade a ela.
5. Poucos seriam aqueles – e disso sabia Sócrates – que, em curto ou longo prazo, desenvolveriam a autonomia e/ou a emancipação intelectual crítica, argumentativa, dialógico-dialética. Para esses ou por esses, pensava Sócrates, valia a pena a prática filosófica transgressora, especialmente numa Atenas marcada por xenofobia e princípios conservadores ou antidemocráticos substanciados sob a égide da autoctonia.
ISBN | 978-17-164-3907-0 |
Número de páginas | 105 |
Edição | 1 (2020) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 90g |
Idioma | Português |
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