A sua proposta, Marlene, é poética, desde o início. Realmente, quando conhecemos alguém não queremos saber de sua infância, de seus pais, o lugar que nasceu, nem quando. Queremos saber de algo que nos cativou, algo que é enigma, mas também é prazer ou dor. Você quis do Drummond algo rarefeito, diáfano, fugaz, multifacetado, que flutua ao sabor da vida, um gesto humano, especificamente humano.
Qual animal que sorri? Só humanos sorriem, e transmitem através do sorriso calor ou falsidade, amor ou ironia pesada, desdém ou ternura refinada. Você procurou em Drummond aquilo que o fazia ser não só poeta, mas um homem, um homem que se definiu como um sorriso na face de um homem calado.
Que sorriso é este do homem calado?
Você se apresenta como alguém que se interessa não por “grandes coisas” e sim pelo detalhe, pelo que está presente como um perfume, como uma atmosfera.
O objeto de seu estudo já se define psicanalítico, largo senso. Por isso quis que eu lesse, quis uma “lente” que pudesse registrar o inefável. Mas não há lente mais poderosa do que seu próprio desejo de conhecer Drummond, Marlene, no seu gesto mais humano.
O seu desejo...é só do que se precisa para fazer esta viagem ao interior do sorriso de Drummond, seu desejo não só de mulher, mas de poeta. Você já o define, para você, de cara. Dru. “não era, não foi um romântico, mas, sempre, um poeta do amor”.
Através de uma pequena frase você já dá um enquadre, uma qualificação literária que um “tratado” sobre a poesia não conseguiria esgotar. Porque você não falou sobre, você falou de alguém, você, que se apaixonou, lentamente, pelo poeta, que foi capaz de vê-lo em “muitas vistas”, depois de muitos versos.
Você nos prepara para um Drummond pessoal, único, não aquele feito “industrialmente”, para todas as gentes, através de uma estrutura formal.
Tenho para mim que um poeta só pode ser reconhecido, de maneira plena, por outro poeta, ou quem desenvolveu fina sensibilidade poética, através de leituras de poesia, exaustivamente. A linguagem críptica (não hermética) do poeta tem uma morada coletiva, existe um Reino da Poesia que captura senhas para dar passagem. Há uma qualidade, esta “password”, que permite a abertura deste Reino, e esta é a que você, logo de saída, entrega: “conhecer-me através de sua obra, desvendar seu sorriso”. (“trouxeste a chave?”).
O poeta fala de alma para alma...
E isso um psicanalista entende, e sabe que a linguagem, ou o sorriso pode ser capa, capuz, armadura, ou porta de entrada para uma comunhão íntima, sem palavras, sem explicações, sem qualquer chance, inclusive, de ser repetido da mesma maneira.
Um sorriso é sempre único, fugaz, e escapa rapidinho. É um indício da potencialidade poética do sorriso, já que é impossível registrá-lo de modo a ser visto da mesma maneira por qualquer pessoa, em qualquer canto do mundo, em qualquer tempo. Mas, ao mesmo tempo, é um sorriso. E todos sabemos reconhecer um sorriso, não importa a raça, a cultura que tivemos, e se a ração do sorriso foi escassa ou exuberante em nossas vidas. A questão vai ser a cor do sorriso, a intensidade do sorriso, se ele era dirigido ou não a mim, e o significado do seu surgimento.
A aventura do espírito. Que beleza a imagem que usada por Affonso Romano de Santana para falar de Drummond. Veja que é mesmo preciso um poeta para falar de outro, como você o faz.
Maria Luiza Salomão, escritora, poetisa, psicóloga, psicanalista- Membro associado da SBPSP- Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
ISBN | 978-85-5697-362-7 |
Número de páginas | 145 |
Edição | 2 (2017) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 80g |
Idioma | Português |
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