Um homem jovem, que aparentava ter uns quarenta anos, um desempregado, que depois de vagar dias e dias atrás de um emprego e daquela que era a sua real razão de viver, a prostituta, resolve abreviar o descanso eterno. O homem tinha alucinações, era epiléptico, desde criança dizia que via e ouvia os mortos. O suicida era cozinheiro, trabalhava em restaurantes, era muito talentoso, mas quando tinha crise era logo mandado embora, não conseguia trabalhar mais que três meses no mesmo local. No último emprego conhecera uma mulher, por quem se apaixonara perdidamente, uma bela prostituta, que fazia ponto em frente ao seu trabalho, que ficava em uma praia famosa da Zona Sul. Sempre ao final da noite, quando ela estava livre, depois de uma maratona de programas, com turistas estrangeiros em sua maioria ingleses, então saiam os dois para se divertir até o amanhecer, em alguma espelunca em que o seu dinheiro dava conta de pagar. Um dia, enquanto esperavam um ônibus para irem a um motel, foram surpreendidos por policiais, que os confundiram com bandidos e os levaram para uma região inóspita, para um matagal nos arredores da cidade, espancaram o homem e estupraram a mulher. Largaram os dois em lugares diferentes, foi a conclusão que chegou o suicida, quando deu queixa do crime ao delegado, sobretudo pelo fato de não a ter visto mais. Por que não fizeram mal também ao homem, e apenas estupraram a mulher? Diria o lato sensu, por ser bela mulher a prostituta. Claro, ser muito bonita pode ser um bom argumento, embora não usasse óculos escuros, a mulher era bela sobremaneira. Talvez tenha sido isso um dos motivos que a fez escolher este tão invejado ofício, o de ser prostituta. Como assim invejado? Pergunta a senhora que me escuta, todavia há quem concorde comigo, que ser puta ou prostituta, fato que aqui não altera a etimologia da palavra, pode ser um ato de extrema liberdade sexual, liberdade essa que poucas mulheres, mesmo no ocidente ainda não usufruem.
O homem teve uma crise e baixou ao hospital, levado é claro por desconhecidos, quando vagava pela cidade, e lá ficou internado por mais de um mês. Todavia, quando se recuperou da surra e da crise, tinha perdido o emprego e o seu grande amor, não sabia nada sobre a vida, origem ou endereço da bela prostituta, a prostituta sumira sem deixar nenhuma pista. Caso este, não tão raro, o de amores avassaladores, costumam os amantes combinarem entre si, como num pacto de silêncio, que nenhum deva saber sobre a vida pregressa de ambos. É claro que isso só ocorre nos romances, pois nos dá um ar de mistério, assim como misterioso é sempre o amor, sobretudo quando é recíproco.
O homem que já era problemático chegou ao clímax de sua desilusão com este acontecimento fortuito. Quando resolveu subir no prédio e dar baixa em sua vida, já não tinha nenhum resquício de lucidez. As vozes que ouvia, que segundo ele eram dos mortos, se intensificaram, ouvia também a prostituta gritar seu nome, às vezes lhe pedindo socorro, outras vezes chamando-o para vir ao seu encontro no além. A dúvida, se sua amada havia mesmo morrido, no início deixava-o ainda com alguma esperança, mas essa esperança logo se dissipava, quando se via sozinho no meio da multidão, longe da mãe, sem amigos e meios de vida, a soma de todas essas carências lhe conduzia a um abismo de insignificância e inutilidade social. Além de só, estava louco, não valia a pena mais buscar um emprego, até porque não poderia mais viver sem sua bela prostituta
Número de páginas | 108 |
Edição | 1 (2021) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Ahuesado 80g |
Idioma | Português |
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