Eu já nasci ruína,
Acho que não gosto nem de mim
Fui expelido pelo ânus e não pela vagina,
Nasci fadado a não ser ninguém:
Livre, lírico, empírico, pobre,
Sem destino e sem cabedal
Odeio a sociedade podre, padres e pastores,
Condutores de ovelhas desgarradas,
Tosquiadas e vilipendiadas, pecadoras
E saqueadas rumo ao inferno da burrice
Sou o cara mais triste
Perambulo sem destino
Mas nunca me atino
Não gosto do governo
Esse parasita enfermo
Que corrompe, mente e induz
Uma multidão de gente sem destino, turba de cagão
Que obedece ao verdugo como se fosse um cão
Em troca de um naco de ração
Eu sou eu, meu dono sou eu
Vivo ao léu
Sei que amanhã irei para o beleléu
E não quero tragar o fel
Da subserviência
Sou homem e a liberdade plena
Massacrada pelo sistema
É o meu lema
Sou guerrilheiro
Faço minha guerra diária
Sem arma, apenas com a palavra
Não me coaduno à essa caniçalha
Não voto porque sou patriota
Não sou idiota
Não rezo, meu Deus sou eu
Arroto, escarro e tô cagando e andando
Pra essa gente demente e infeliz
Povo populus e gado vacum
Que infesta os torrões desse continente país...
Parido na mais escrota periferia,
Preto, miserável, morava num barraco de lata e papelão
vielas imundas, ratazanas circundam
sem esperança e sem pão
a mãe era uma vadia
e o pai era ladrão
o pivete nunca visitou o pai na prisão
desejava que o pai fosse guilhotinado
pois só se lembrava de ser espancado
quando o brutamontes chegava bêbado e drogado
a mãe era puta e ele tinha mais outros 4 irmãos
cada qual filho de um pai diferente
analfabeto, sem carinho e sem teto
vislumbrava uma vida mais amena
e sonhava cuidar dos irmãos
saiu pelas ruas da Consolação
roubava os transeuntes e mendigava um naco de pão
aos 12 anos cheirava cola e fumava maconha
que vida medonha,
pensou em entrar para o crime
assaltar bancos e aos trancos vencer na vida
mas ele não tinha saída
roubava apenas pra alimentar os irmãos
apanhava da polícia
mas tinha muita malícia
e sempre saía pela tangente
a mãe contraiu AIDS
e então a miséria daquela família se apoderou
com mais crueldade e tudo se perdeu
O parido na mais escrota periferia
saiu de casa um dia pra nunca mais voltar
sonhava em ser traficante
e mandar em todos os que o fizeram chorar
entrou para o crime organizado
logo subiu na hierarquia da quadrilha
e sua crueldade era temida
sua pessoa sempre obedecida
mandou matar desafetos
construiu um império
até políticos influentes se cagavam de medo
quando ele ordenava que o respeitassem
Nunca foi pra prisão
comprava policiais, juízes, meretrizes
advogados, promotores
ele era mesmo o rei
carros importados, milhões guardados
seus irmãos tinham sido assassinados
a mãe há muito falecera
mas o pai, esse filho de Satanás,
estava para ser libertado da prisão
E o parido na mais escrota periferia
desejava a suprema vingança
queria cortar a jugular do próprio pai
para vingar toda a miséria
a que sua família fora relegada
e num dia frio durante a madrugada
Ao barraco em pedaços ele retornou
o pai jazia bêbado num arremedo de colchão
e ele sem pensar sacou o punhal
e investiu contra aquela figura do mal
que tinha levado sua mãe e irmãos ao inferno
mas ao segurar o pai pelos cabelos
cuspia ódio e não aceitaria nenhum apelo
e então, ao pai degolou
ateou fogo no barraco
sacou sua 7,65
e num instinto
animal de vingança suprema,
meteu um balaço nas têmporas
Mas por um milagre do destino
o parido na mais escrota periferia
não morreu
levado às pressas para o hospital
em coma ali por meses permaneceu
recomposto retrocedeu
pesou tanta desgraça e a vida podrida que viveu
já havia perdido seu reinado
de morte estava jurado
usurparam seu trono no crime
e ele não tinha pra onde ir
pensou, pensou, eles vão pagar caro
mato todos eles,
traidores e reles
pois quem foi rei nunca perde a majestade
mas ao deixar o nosocômio
sem destino e sem sonhos
seus olhos fitaram na sala de espera
uma flor linda, uma quimera
a morena fitou os olhos dele
hipnotizando o parido na mais escrota periferia
e ele viu a luz naquele dia
sua salvação era o amor
e o coração daquela flor
sem pedir nada o acolheu
e nunca mais o parido na mais escrota periferia
deixou de um só dia
venerar aquela que salvou sua vida
os dois moram na rua
apenas como cobertor eles tem a lua
mas sonham juntos os sonhos de todos
de vencer na vida florida pelo amor
ele esqueceu que é preto, pobre, desgraçado,
assassino, parricida, mas que descobriu que nenhuma desgraça
pode matar o sonho da vida.
e quando tudo parece estar perdido
se descobre que o sentido da vida
é sempre tentar uma saída
pois na vida só não existe saída quando chega a morte
Número de páginas | 260 |
Edição | 1 (2019) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 80g |
Idioma | Português |
Tem algo a reclamar sobre este livro? Envie um email para [email protected]
Faça o login deixe o seu comentário sobre o livro.