Adiel apontou-me um dedo e prosseguiu:
- Estou falando do seu ego, Francisco, aquele cuja tarefa será providenciar para que você assuma uma personalidade própria e uma individualidade única, que o diferencie de todas as outras pessoas. Assim sendo, usando as mesmas ferramentas que chamamos de atração e repulsão, ele conseguiu fazer com que você passasse a atrair as coisas que o ajudariam a formar sua personalidade, e que se transformariam em características muito próprias suas. Dessa forma, você começou a usar a capacidade de atração que seu ego lhe conferia para buscar tudo aquilo que, no seu modo de ver, lhe daria o prazer que procurava. Poderiam ser posses, poder, amigos, seguidores, dinheiro ou qualquer outra coisa que o fizesse feliz. Por outro lado, usando a ferramenta da repulsão, passou a repelir tudo o que lhe parecia perigoso, indesejável ou que pudesse ameaçar sua existência e sua privacidade, ou de seus familiares.
Com um gesto levemente teatral, Adiel prosseguiu:
- Nascia, então, o Francisco que o mundo conhece, dono de uma personalidade ímpar e disposto a defender sua individualidade e sua privacidade com unhas e dentes.
Sua explanação era tão vigorosa que quase me vi de armadura e espada, montado num cavalo branco, partindo para um sangrento combate. Rapidamente, lembrei-me de que não possuía armadura nem espada e que jamais me aproximara a mais de dez metros de um cavalo. Voltei, portanto, a concentrar-me no que estava ouvindo.
- E por que isso, Francisco, por que a busca desenfreada do prazer e a luta para manter a sua segurança e privacidade?
Mais uma vez, eu não fazia nem idéia.
- Porque, meu amigo, quando sua alma incorporou-se ao seu ser, no momento do nascimento, ela ainda trazia, muito vívidas, as lembranças da felicidade infinita em que vivia, enquanto repousava no seio do Pai. Só a partir do momento em que o ego passou a atuar, trazendo-a para a realidade humana, é que ela começou a se afastar da Verdadeira Realidade. Por isso, vocês costumam dizer que as crianças “conversam com os anjos”, ou “vêem coisas que os adultos não podem enxergar”. Tudo resquício da Verdade que nós já vivemos, meu amigo...tudo resquício. Desde então, ela busca voltar de alguma forma ao Reino dos Céus, ou Paraíso, como quiser chamar, onde desconhecia doenças, sofrimentos, privações ou necessidades. Você, então, apenas reflete esse anseio da sua alma, procurando intensamente tudo o que julga que lhe dá prazer, para tentar reproduzir as condições perfeitas em que vivia antes do nascimento. Infelizmente, o meio de que você dispõe para obter essa satisfação é puramente material, ou seja, absolutamente limitado e incapaz de suprir as suas expectativas. Na verdade, não existe nada de errado com essa busca. O problema é quando a frustração dela resultante se transforma em danos para os seus semelhantes, sem que haja a menor consideração para com eles. Aí nascem a ambição, a avareza, o egoísmo, a vaidade, a violência, as agressões, o ciúme, o ódio e todas as demais características egóicas, infelizmente tão presentes e dominantes nos seres humanos desta dimensão.
Eu tinha que reconhecer que tudo aquilo era muito impressionante, e que a performance de Adiel, mais uma vez, era fantástica.
Ele prosseguiu:
- No momento em que você coloca o seu próprio bem-estar acima da felicidade dos seus irmãos, o ego passa a ter a força suficiente para “prender” sua alma com amarras cada vez mais fortes e a cerrar-lhe os olhos com vendas que a impedem de enxergar a Realidade em que vivia. Ela, a sua alma, passa a ficar cada vez mais isolada e mais presa à dimensão em que vivemos. Torna-se triste; desaparecem a alegria e a paz que a caracterizavam, e ela acaba por esquecer sua própria origem divina. Vemos isso se expressar no rosto da criança à medida que o tempo passa, e ela fica cada vez mais envolvida pela realidade humana, perdendo aquela pureza que irradiava ao nascer, trocando-a, gradualmente, por sentimentos muito mais desagradáveis.
Adiel fez uma pausa, como se considerasse profundamente a conveniência de contar-me alguma coisa que talvez fosse muito forte para mim. Olhou francamente para Rafael, como que buscando a aprovação do amigo.
Este, apesar de também inseguro, levantou as mãos, como quem aceita um mal inevitável.
- Francisco, vou abordar um assunto que pode chocá-lo, mas achamos que você já está preparado para ele.
Não nego que fiquei um tanto assustado. O que seria tão desagradável assim, a ponto de chocar-me, principalmente após tudo o que eu vira e ouvira?
Cautelosamente, como se estivesse pisando em ovos, Adiel prosseguiu.
- Quero que você saiba, meu amigo, que nós também temos muitas dúvidas a respeito do que vou lhe falar, embora saibamos que, infelizmente, se aproxima bastante da realidade. Algumas filosofias orientais abordam em profundidade essa questão, e a senhora Blavatsky, particularmente, o faz com muita clareza.
Eu já não cabia em mim de curiosidade. E parece que Adiel o percebeu, pois rapidamente prosseguiu:
- Dizem que o ego humano pode desenvolver-se a tal ponto, que cria uma espécie de carapaça escura e intransponível, isolando completamente a alma do restante do ser que deveria animar. Nos casos extremos, chega até a inviabilizar a permanência da alma naquele corpo, e ela não tem outra alternativa do que abandoná-lo e regressar à fonte divina de onde veio.
Os olhos de Adiel obscureceram-se, como se contemplasse um quadro por demais horrível para descrever.
- Com a saída da alma, o que resta, então? Um corpo que perdeu completamente seu contato com o Divino e que vive – se é que se pode dizer assim – exclusivamente para servir a um ego monstruoso, repleto dos piores sentimentos possíveis. Tornou-se um pária na Criação. São os criminosos empedernidos, irrecuperáveis, incapazes da menor centelha de amor ou simpatia, a não ser por tudo o que satisfaça seus baixos instintos. São os serial killers que assassinam por prazer; os que sacrificam crianças a divindades malignas que habitam as trevas ou que são apenas frutos de sua imaginação doentia; os que ferem e matam pessoas e animais apenas como forma de diversão. São as origens dos demônios, dos vampiros, dos lobisomens e de outros mitos que assombram a sociedade. São homens e mulheres sem alma, que vagam pela existência, sem qualquer motivo para permanecerem vivos.
Eu estava apavorado com o que ouvia. Quase sem voz, balbuciei:
- E o que acontece com eles depois que morrem, Adiel?
- Terrível, Francisco. Terrível! A resposta a essa sua pergunta não é tão simples assim, mas vamos lá...
Pausa. Tomada de fôlego. Mais suspense.
- É fácil perceber que, tendo você uma alma que é divina e um ego que é humano, dois caminhos bem diferentes se abrem à sua frente. O primeiro é aproximar-se cada vez mais da sua alma, esforçando-se por alcançar o desenvolvimento espiritual. O segundo, infelizmente o mais fácil, é o de apegar-se com o seu ego, buscando somente os prazeres da matéria. Se você opta pelo primeiro caminho, aquilo que aqui se denomina “morte” será apenas uma passagem agradável para níveis vibracionais mais altos, onde desfrutará do ambiente maravilhoso que você já conheceu nas “viagens” que fez. Por outro lado, optando pelo ego, tudo o que conseguirá será a condenação a repetir tudo o que viveu nesta vida, com todos os sofrimentos e dores que isso possa representar. Você estará preso no que chamamos de “ciclo da necessidade”, onde cairá numa verdadeira armadilha, e ficará rodando e rodando, repetindo sempre os mesmos erros, sem progredir em absolutamente nada. E se insistir em permanecer estacionado, começará a regredir nos níveis de vibração espiritual, rumo a lugares ainda piores que este onde vive no momento. Descerá até mundos onde prevalecem os sentimentos mais sórdidos e degradantes, atolando-se no lamaçal das emoções mais aviltantes. Nesse momento, pode-se dizer que você chegou àquilo que as religiões existentes costumam chamar genericamente de “inferno”. As imagens que vemos mostram-nos seres mergulhados em sofrimentos terríveis, ardendo em chamas e atormentados por terríveis demônios. A realidade não é muito diferente disso, mas o verdadeiro castigo é a ausência eterna de Deus, afastado definitivamente pelas próprias indignidades que você cometeu em sucessivas existências.
Adiel soltou um longo suspiro e pareceu relaxar um pouco. O pior já tinha passado. Mas eu não estava satisfeito ainda.
Um tanto impiedosamente, perguntei:
- Eu creio que entendi bem o que você me contou, Adiel. Entendi a origem da alma, a influência do ego, os dois caminhos que temos à nossa frente e que cabe exclusivamente e nós escolher qual trilharemos, e todo o resto. Bem...quase todo. Ainda não tenho certeza se assimilei a idéia de Carma, além do fato de que ele é muito importante nessa história.
Antes que eu continuasse, Adiel fez um gesto com a mão, como se pedisse que eu parasse, e disse:
- Meu caro amigo. Sem dúvida, esse é o ponto que precisa ser melhor explicado. Antes, porém, quero enfatizar uma coisa: o ego não é necessariamente ruim. O ruim é quando nos deixamos dominar pelos seus impulsos materiais, que nos isolam de nossa alma. A verdadeira redenção não está em matar o ego, mas torná-lo um aliado, que siga ao nosso lado na estrada da evolução espiritual. No entanto, confesso que estou um tanto cansado para responder à sua pergunta. Você se incomodaria se eu passasse a bola para o Rafael? – e olhando para o amigo: Você se importaria, Rafael?
-Não, claro que não, desde que Francisco esteja de acordo.
Fiz que sim com a cabeça, e ajeitei-me para aprender um pouco mais.
- Olhe, Francisco. A questão do Carma não é importante. É importantíssima. Eu diria até que, sem o Carma, não haveria Criação alguma. Podemos considerá-lo como uma das Leis Fundamentais da Existência. O Carma é tudo. Tudo o que acontece no âmbito da Criação é por causa dele. Não é à-toa que muitos estudiosos chamam o próprio universo de “filho da Necessidade”, que é outro nome do Carma. Ele é tão importante que eu tenho a certeza de que, no momento em que o universo esgotar o seu Carma, chegará ao fim da sua existência e voltará ao seio de Deus, para mais um longo período de descanso. Você precisa ter em mente que tudo, absolutamente tudo o que você pensar, falar ou fizer gerará um Carma para a sua vida. Se suas atitudes forem boas, baseadas no Amor – não aquele tipo de amor carnal, que hoje se tornou tão vulgarizado – mas no Amor Incondicional, aquele que deseja o bem para todos, indiferentemente de raça, religião ou origem social, o Carma gerado será positivo, e “empurrará” você para níveis mais altos de consciência, ou seja, tenderá a aproximá-lo do Reino dos Céus. Se, no entanto, suas atitudes forem de molde a segregar, ofender, humilhar, atacar, ferir, matar, mentir, roubar e tudo aquilo que sabemos que é ruim, o Carma será negativo, e terá o efeito de diminuir suas energias de consciência, levando-o cada vez mais para longe da Luz, rumo àqueles mundos terríveis que Adiel já lhe descreveu.
- Mas diga-me uma coisa, Rafael. O que é que eu faço com o Carma ruim que eu já tenha gerado em minha vida? Ele me acompanhará para sempre?
- Não, não, Francisco. Se fosse assim, teríamos que admitir que estamos lidando com uma condenação perpétua, o que vai contra tudo o que já dissemos sobre a natureza amorosa de Deus, que nos considera a todos como filhos bem-amados. Qual é o pai dedicado que puniria um filho para sempre?
- Certo. Mas, então, o que precisamos fazer para nos livrar do Carma negativo?
- Será preciso que você busque a evolução espiritual constante, orando, meditando e procurando a Verdadeira Iluminação. Isso parece muito genérico, mas não é. Quer ver? Quem você crê que provoca o Carma negativo que o incomoda?
Desta vez, respondi com confiança:
- O ego.
Rafael realmente gostou da minha resposta.
- Muito bem, meu amigo! Estou feliz em constatar que você entendeu bem o que lhe dissemos. Então, é claro que para evitarmos mais Carma negativo, temos que superar todas aquelas forças do ego que o prendem à matéria e à Terra, impedindo-o de se entregar totalmente à sua alma.
- E como se faz isso?
- Primeiro, é preciso que entendamos o que é ego e qual a sua influência nas nossas vidas. Isso você já fez, prestando atenção a tudo o que conversamos até hoje. O passo seguinte é reconhecer quais são as forças negativas do ego que agem particularmente sobre você. Para isso, existe um exercício muito interessante. Quer tentar?
Embora meio receoso, disse que sim.
- Então, pegue o papel e o lápis que estão ao seu lado, na cadeira.
Virei-me para a esquerda e lá estavam um bloco de páginas pequenas e um lápis bem apontado. Eu tinha certeza absoluta de que não havia nada ali, quando me sentei. Enfim, eu já estava acostumado com essas “coisas misteriosas” e resolvi não tocar no assunto. Peguei o material, conformado.
- Muito bem. Agora, vamos fazer o seguinte: pense em todas as características negativas que existem em você, e das quais gostaria de se livrar, pelos problemas que já lhe causaram. Vamos lá, pense!
Eu não sabia como começar. Olhei desamparado para Rafael.
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Número de páginas | 412 |
Edição | 1 (2015) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura |
Tipo de papel | Offset 80g |
Idioma | Português |
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